por Martha Medeiros
A Maria Rezende é uma poeta carioca que recentemente lançou um livro encantador chamado "Bendita palavra", onde, entre tantos versos, fui surpreendida por este: "Dentro de mim não é mais um bom lugar para se viver".
Este verso reflete uma necessidade de se exorcizar, um pânico de não detectar dentro de si um abrigo, uma quentura, um espaço aprazível onde caibam todos os nossos fantasmas. A voz que fala através da poeta tem vontade de expulsar-se de si própria, já não reconhece um sol interno - isso sou eu que estou interpretando, Maria fala mais bonito: "Teve um tempo em que esse dentro parecia com o fora/era um ótimo lugar pra uma moça como eu era".
Aí a personagem do poema virou uma moça diferente, hospedou em si uma criatura arrebentada, ferida, nauseabunda, e danou-se, agora ela não é mais um bom lugar para se viver.
Explica tanta coisa, esse sentimento.
Explica a gente não conseguir se relacionar bem com os outros, explica autoflagelo, explica engordar ou emagrecer além do razoável, explica suicídio, explica nosso estrangeirismo mesmo quando sozinhos - ou principalmente na solidão. Como lidar com esse despatriamento, para onde levar nossa mochila, nossa bagagem, nosso eu mesmo pra se instalar em outro corpo? Nascer de novo não dá.
Ou até dá. Até dá.
De vez em quando é necessário a gente se perguntar se dentro de nós é um bom lugar para se viver. Depois de ler Maria Rezende eu tenho me perguntado isso. E a resposta sem nenhum charme intelectual, sem nenhuma espécie de autoaversão, sem nenhuma inclinação underground, ou seja, da forma mais simplória, é que sim, eu sou um bom lugar para se viver.
Dentro de mim há pensamentos demais, o que torna tudo meio apertado, mas tenho tentado dar uma arrumada nessas idéias para que cada uma fique na sua gaveta. Há também sentimentos demais, mas de forma alguma vou expulsá-los, deixo que circulem à vontade pelo meu corpo. Dentro de mim as estações são bem definidas: verão é verão, inverno é inverno. Toca música aqui dentro quase o tempo todo, e há uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba. Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade. Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até Rio de Janeiro, só que os tiroteios são raros. O último bangue-bangue emocional que metralhou minha alma faz quase um ano. Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas pra fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei. Dentro de mim, às vezes, são produzidas algumas cenas sofisticadas e roteiros de filme B. Como não gostar de viver aqui dentro?
E você, tem sido um bom hospedeiro de si mesmo?
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Um comentário:
Lindas palavras!
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