domingo, 23 de agosto de 2009

Simetria na casa dos horrores.


Autor: Candido Mendes(*)
O Globo 22/08/09


Mais do que a indignação, agora, com os escândalos do Senado, frustramo-nos ao saber de vez que continuaremos no "tudo bem". Mas o país começa a perceber a ingenuidade da própria cólera face aos muitos Brasis que envolve a nossa representação política. Por quanto tempo demorará a memória do incidente Sarney diante da certeza inabalável de coronéis e cangaceiros de que se manterá a casa de horrores na Praça dos Três Poderes?

O que está em causa é saber-se como, pela nova exigência da democracia, o país vai se acomodar ainda ao denuncismo moralista, que termina por reforçar o status quo diante das sempiternas propostas da maquiagem reformista. Avança, de fato, uma consciência nacional contra a cosanostra e as políticas de clientela, pedida pelo desenvolvimento sustentado e chegando a uma real emergência cívica?

Escândalos como os de agora não chegam à maioria da população. Essa, das classes C, D e E, hoje mobilizadas pela mudança e pela definitiva opção do povo de Lula pela continuação do que representa o seu governo. De outra parte, o desfecho final pelo arquivamento das denúncias mostra, também, com a saineta grotesca do deputado Paulo Duque, como sempre voltamos ao dantes no quartel de Abrantes. A raiva contra o Senado e seus exorcismos oratórios pode levar aos disparates constitucionais, como, por exemplo, a supressão da Casa, propondo-se a adoção de um sistema unicameral.

Chegamos ao paradoxo de violar a democracia pelos desmandos dos legisladores. O Congresso exprime a voz do povo e dos Estados, distintamente. Nessa condição constitui a vontade nacional. Coronéis e cangaceiros são também parte da representação nacional nesses dois Brasis, que vão ainda continuar e só se modificam por uma maturação da consciência coletiva. Eleições legítimas são as que não excluem ninguém, e os interesses do establishment continuam, resistem e às vezes até se recuperam. Mais ainda, podem tecnologicamente modernizar-se como donos da mídia e de novas capatazias dos currais eletrônicos.

Tanto haja subdesenvolvimento, tanto permanecerão chefias e caciques do velho regime e sua presença agressiva nos cenáculos de poder, seus dedos em riste, seu direito ao palavrão e suas desculpas. Mesmo porque a diatribe acaba sempre na mesma domesticidade do país das clãs e do destempero, tão repetido quanto familiar. O vocábulo da descompostura, por sua vez, é parco, como a subalimentação mofina do país das clientelas.

O destampatório das últimas semanas foi a este id profundo do nosso inconsciente coletivo instalado. Nele, a simetria de coronéis e cangaceiros garante, paradoxalmente também, sua solidariedade de base. E a realpolitik também é simétrica, no maquiavelismo de pedir o governo a aliança já, para desmantelá-la depois com seus resultados, ou o dos coronéis, de acreditar que ficarão no meio do caminho com as benesses da hora soltando o mudancismo petista.

O Brasil de fundo vê o affair do Senado como problema da nação dos ricos. A que nasce agora com menos injustiça social envolve o país que se beneficiou do PAC e só olha para a frente. Os aliancismos têm desfecho certo, removendo, pelos novos canteiros de obra, os municípios dos velhos pactos de poder. E o PT cobra agenda mais que acelerada para voltar à frente desse eleitorado que, saindo da marginalidade, trouxe nesse biênio a população de uma Colômbia ao povo de Lula.

(*) CANDIDO MENDES é presidente do Senior Board do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco.

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