“O que faz de qualquer número de pérolas um colar, é o fio invisível que as une todas numa certa ordem” Antonio Sérgio
"O Filósofo Pascal dizia que a infinita solidão do espaço sideral o atraia. Paradoxalmente, a famosa bossa-nova de João Gilberto em áureos tempos, num belíssimo sincopado afirmava “é impossível ser feliz sozinho”. Para alguns poetas sonhadores, em estúdios íntimos buscando pérolas de ostras refratárias, a solidão é uma grande amiga. Pode circunstancialmente ser, mas, só para alguma ocasional reflexão ponderada, certa autovalorização com acompanhamento clínico. No entanto, nesses tempos de cada um por si e salve-se-quem-puder, até de um neoliberalismo que globaliza insanidades com grifes e sexismo, o problema do conviver social precisa ser repensado. As pessoas solitárias ligam o aparelho de televisão para terem companhia sonora. Outros buscam um frio amigo virtual para o descalabro de uma utopia internética. Quantos seres esperam o toque carnavalesco de um aparelho celular, em resposta a um pedido de socorro em vão?. Muitos carentes ainda se aventuram em canoas furadas e sofrem predações de todos os tipos, quando não fatais. Certas pessoas já são problematizadas nessa individuação que reflete no psicossomático, e assim vão ao shopping-center para não se sentirem sozinhos entre estranhos. Buscam ali se sentirem seguras entre vitrines e manequins, elas mesmas desfilando a sozinhês, o terrível mal desse início de terceiro milênio. E vai por aí o sentido da falta de companhia, de falta de diálogo, da tal ausência táctil. Eu mesmo, nas minhas gracezas poéticas, aventurando uma solidão-cangalha, cantei: “Acompanhe a maioria/Ande sozinho...” Ou, ainda, num poemeto-fuga ventilo a alma nau: “Eu faço poesia/Para ter companhia”. A utopia singular dos que ainda esperam e confiam, escrevem vivências e expectativas.
Nas grandes metrópoles de milhões desse chamado “gado marcado” para a sobrevivência possível, gaiolas-apês escondem carentes de toda sorte, quase sub-seres; pessoas sensíveis com gravíssimos conflitos por absoluta falta de diálogo-saída-de-emergência, isto é; de terem com quem conversar. Com falta do nutriente grupal de uma convivência ético-plural-comunitária. O ser humano é positivamente (e por isso mesmo evoluído) um ser social, dependendo do outro para se fazer Ser, se completar assim. Precisa, portanto, de companhia entre humanus. Mas não é fácil. Alguns brincam, trocadilhando: há bares que vêem pra bem. Isso só vale para a fauna notívaga que é bem realizada em todos os suportes afetivo-emocionais, quando não é só uma outra fuga para a solidão que dá nos nervos. Você é tudo o que você tem. Você é o seu próprio capital. As solidões são sábias?. Isso é pura poesia. A dura realidade da solidão é muito triste. E pode acabar em doença até.
Imagine então, na descalça periferia sociedade anônima, em vielas, becos, guetos, cortiços, favelas e palafitas, quando conflitos de baixa estima são resignados, quando tristes vexames extremos são sublimações em várias fugas emergentes e à mão; de ocasionais drogas a neuras mal sacadas. De eventuais violências domésticas a infrações tácitas, mais o medo sobrevivencial da difícil impossibilidade dos sem saída, dos sem açúcar e sem afeto. Isso dói. Um território de paradigmas.
Nesses vários e distintos brasis por atacado, de tantas sócio-historicidades problemáticas, certos tipos de “respostas” a essa gama de variadas situações são dadas aqui e ali, com retornos satisfatórios, e então, aleluia, tudo resultou num ocasional encaminhamento para a paulatina solução imediatamente possível, até como ocasional prevenção na área da saúde mental, entre outros retornos de qualidades múltiplas.
Estou me reportando à tão em voga Terapia Comunitária de ótimos resultados. Nascida lá na cidade de Fortaleza, Ceará, por criação técnico-ocupacional de um visionário psiquiatra a partir de reuniões de grupos em favelas, a idéia como um todo foi alicerçada e ganhou viço, foi experimentalizada aqui e ali, e hoje, arejada logra ocupar espaço de estudos com elenco de práticas também internacionais. É preciso saber ouvir. É preciso um canal propício a desabafos terapêuticos. Trocas. Somas. Pertences e questionamentos sócio-grupais. A boca fala? O corpo sara. A boca cala, o corpo fala. Quer saber? Sem falar, sem conversar (e assim muito bem conviver enquanto humanus) o corpo de certa forma intencionalmente avisa, “responde” direta ou indiretamente, imediatamente ou a curto, médio e longo prazo, por doenças difíceis de identificar causas; por falsos fantasmas, distúrbios mentais, seqüelas graves ou fatores de implicações até mesmo vitais, como o próprio câncer e suas seqüelas.
Como é bom ter com quem conversar. O ser humano é assim efetivado como ser humano, porque socialmente comunga princípios naturais da espécie e convive com o diferente de si, mas, próximo de si. O Ser precisa falar, precisa trocar para evoluir; precisa aprender, pensar, sentir, ter aberta sua tão natural e inerente caixa de diálogo, para então se reafirmar como ser-social e ocorrer a partir disso uma salutar inteiração evolutiva de meios e de princípios também.
Terapia Comunitária é exatamente isso: ter com quem conversar. Humanismo de resultados. Terapia de Amor. Colocar as pessoas para trocarem experiências, desaforamentos moderados, irem ao encontro de um seu semelhante, treinarem refinamento pessoais, alicerçarem bases, dizerem de seus problemas, sondarem soluções nos entornos, buscarem resultados amigáveis a partir de uma amizade estimulada enquanto solidária; tudo a partir de relações-parcerias, bases bilaterais de evoluções nesse propósito. Todos têm problemas, claro. Todos têm soluções? Na tal Terapia Comunitária têm. Médicos, psiquiatras, terapeutas, amantes, confidentes, poetas, parentes, amigos, colegas de trabalho e estudo, convivas, visitas, profissionais gabaritados, são saídas de emergência. Vazão de foro íntimo. Precisamos desesperadamente ter quem nos escute, de quem confie em nós, de quem nos ouça; precisamos inegavelmente de um ombro amigo, de quem opine, de quem releve, de quem sonde conosco uma luz no fim do túnel, de quem perdoe, pondere; do estojo de uma palavra-retorno-referencial; principio de contrariedade amistosa. Um beijo, um abraço, um aperto de mão. Vizinho íntimo. Tudo a ver. Essa é a idéia. Terapeutas de almas?
Deus não produz lixo, disse Erma Bordeck. Pessoas se reunindo buscam soluções reunindo opiniões diferentes, comparações potencializadas, versões difusas sobre o mesmo tema, inclusive em caso de doenças. Fortemente juntas as pessoas pensam melhor. Falam de sonhos impossíveis, desafios e arrebentações íntimas. Há uma escuta receptora. Faz bem para a pele da alma respirar a energia da arte que há no encontro. A sabedoria popular do diálogo. A vida é a arte de prosear. Conversando venceremos. As flores do jardim de nossa alma.
A competência de cada de cada um veiculada, promovida. A habilidade de cada um passada ao próximo, oferta e procura de seres. A informação-referencial, o aprendizado de trocas, a informação cara a cara, o conhecimento-questionamento, a busca semeadora, a escora divinizada, o suporte-empenho, o retorno de meio. Olhos nos olhos. Dor a dor. O que cada um sabe vale ouro para o outro. Experiências divididas, lutas revistas, conquistas sondadas, revisões de entendimentos antes fechados em prismas precários. Ficamos “doentes” se deixarmos de nos comunicar dinâmica e efetivamente. O chamado distúrbio mental é só isso: um esconderijo de impronunciamentos. Conversando vivemos a vida, levamos a vida, suportamos vida. Amizade assim vale o verbo viver.
Terapia Comunitária é gente se reunindo com gente, para se contar um ao outro, contar um com o outro. Faz diferença o refletir de cada um; seu sentir todo próprio, particular e assim dividido; inerente mas, pensado comunitariamente, solidariamente. Almas gêmeas se encontram assim. Gente é para brilhar, não para morrer de fome, cantou Caetano Veloso.
Numa Terapia Comunitária você saca melhor as perspectivas que antes solitário não via direito. Deposita créditos emotivos que sozinho não julgava ter. Poupa delírios que nem sabia em que comportamentais seqüelas escondia. Vive uma relação de se assumir em núcleo de iguais. Tem uma outra ótica renovada do seu problema que dilui no encorajamento das idéias em comum. Experimentações e desejos são regiamente partilhados. Todos por todos. A participação da dor de um, para um todo, esvazia o foco e o peso da dor. Cria teias salutares de novos rumos. Alavanca elos para mudanças radicais. Ser ouvido é uma delícia de Deus. Uma benção.
A Terapia Comunitária da conversa pública (falar/ouvir) é um olhar novo sobre horizontes plurais. Amor e flor.
Se você tem com quem conversar, isso compensa muita coisa. Se você não tem, não importa nada do que possui.
Solte as amarras. Proseie. Solte o verbo, solte a sua língua. Mostre-se.
Abra os armários de seu mundo interior, ventile idéias, alimente prosa nua e crua. Todo conhecimento é luz.
Passe a palavra adiante. Essa é a verdadeira terapia humanizada. Baixe essa guarda. Baixe esse peso.
-Como vai você? Eu preciso saber de sua vida, para também poder contar a minha vida. Isso tá parecendo uma balada dos anos 60, quem não dialoga vegeta. Quem não conversa, não se conserva, não se tem amor. Ame e dê-se: compartilhe-se. Feliz dia do amigo.
(*) Silas Corrêa Leite – Estância Boêmia de Itararé, São Paulo. Teórico da Educação, Crítico Social e Jornalista Comunitário. Pós-graduado em Relações Raciais, Literatura na Comunicação (ECA) e Direitos Humanos (USP). Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor. Autor de “Porta-Lapsos, Poemas”, Editora All-Print, São Paulo, 2005, Série Literatura Brasileira Contemporânea.
Site pessoal: www.itarare.com.br/silas.htm - Autor do e-book ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS, download free no site www.hotbook.com.br/rom01scl.htm - Texto da Série “Terapia das Almas”, livro inédito do autor. E-mail para contatos: poesilas@terra.com.br
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