Fritz Utzeri (*) jornalista
“Decoro. s. m. 1. Correção moral; compostura, decência. 2. Dignidade, nobreza. honradez, brio. pundonor. 3. Conformidade do estilo do orador. do escritor, com o assunto de que trata. (PI.: decoros. Cf. decoro, do v. decorar.)ecoroso. Esta é a definição do Aurélio para a palavra decoro. Agora leiam pequenos trechos de um acalorado debate no Congresso, durante uma sessão da CPI Mista dos Correios e do Mensalão: Deputado Eduardo Valverde (PT- RO), dirigindo-se à Senadora Heloísa Helena em meio a uma cena de quase pugilato: “A senhora também tinha que ter sido expulsa há mais tempo! Votou contra a cassação do Luiz Estevão (senador pelo PMDB). Seu adversário ACM disse, na época, que foi porque transou com ele!” Senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL), agarrada por outra senadora, respondendo ao Deputado Valverde: “Se é para falar de sexualidade, dizem que o senhor é envolvido com rede de prostituição, pedofilia e gasta dinheiro roubado em esquema de transporte nas festas da Jeany Mary Córner (suposta agenciadora de garotas de programa).” Muito bem, vamos pensar de novo. O que é mesmo decoro? Não é nada do que está aí em cima. Talvez o acréscimo de outra palavra ajude a entender a coisa. O que é decoro parlamentar? Bom, aí já fica difícil explicar... Ao acusar Heloísa Helena de transar com Luiz Estevão, Valverde fere o decoro e tudo o mais, porque, afinal das contas, o que a senadora faz com o seu corpo, desde que aconteça entre adultos consentidos e não seja algo criminoso, é problema exclusivo dela. Essa maledicência já havia sido disparada por ACM, outro pilar do decoro, por ocasião do episódio da violação do placar eletrônico do Senado. Ao responder, no mesmo tom, a senadora fez acusações graves. Se for verdade o que disse, temos no Congresso um deputado pedófilo que deveria ser imediatamente cassado e preso, pois é difícil imaginar crime mais infame. Além disso, foi acusado ainda de proxeneta e ladrão ou receptador de dinheiro roubado, certamente atributos indesejáveis a um parlamentar. O problema é que a senadora não provou o que disse e, segundo a regra consagrada pelo relator do processo que levou à cassação de Roberto Jefferson, o parlamentar que acusar colegas e não provar o dito deverá ser cassado. Ou a Senadora demonstra o que disse ou aguarda-se o seu processo e exclusão do Senado. Afinal, se RJ foi cassado por acusar colegas de receber um suposto “mensalão” e não provar (isso apesar da hecatombe causada no rastro da denúncia), por que não aplicar o mesmo critério ante a acusação de um crime muitíssimo mais sério (pedofilia)? Nossos representantes deveriam ser pessoas sérias, ou do contrário estão se divertindo com a nossa cara. O melhor mesmo seria que o povo tivesse bastante consciência e mandasse todos (sem exceção) para casa. Pego com a mão na cumbuca e mentiroso como Pinóquio que tinha cara de pau, mas um nariz que crescia e o denunciava ao mentir, Severino resolveu renunciar e saiu acusando a “elitezinha” que “insuflou” contra ele “seus cães de guerra”. No Brasil, como já lembrava o velho Marx, referindo-se a Napoleão III, a História também se repete como farsa. Desde “as forças e os interesses contra o povo”, da carta-testamento de Vargas, um documento maior da História do Brasil, escrito com sangue e tragédia, o tom vai se acanalhando e aparece, já meio farsesca, a expressão “forças terríveis” da carta-renúncia de Jânio que, misteriosamente, se tornaram conhecidas como “forças ocultas”. Agora chegamos à farsa total, à palhaçada sem limites e sem-vergonha. Luiz Inácio fala em “conspiração das elites” para derrubá-lo e Severino, a República em seu grau mais baixo de seriedade, refere-se a “elitezinhas” para justificar seu crime e renúncia. Renunciar para voltar consagrado pelo voto é um privilégio dos representantes desses feudos, dos grotões. A renúncia apaga o crime, zera a conta e a nova eleição faz tudo desaparecer. É detergente, lava a alma e a deixa como nova, faz prontuário ficar em branco, mais branco, uma beleza. E já que falamos em reforma política, um dos itens que deveriam ser votados com urgência é este: Renunciou para escapar de cassação, fica automaticamente cassado, não pode ser reeleito. A reforma política é uma necessidade urgente, mas que moral tem este Congresso, seguramente a pior legislatura da nossa História monárquica e republicana, para propor o que quer que seja? Necessário seria votar melhor da próxima vez, não reeleger qualquer um dos envolvidos nos atuais escândalos. Enfim... É preciso pensar numa pauta mínima para o Brasil e exigir o seu cumprimento, do contrário teremos pela frente um campeonato de acusação de ladroeiras e outras baixarias, deixando — mais uma vez — de lado o que realmente interessa ao povo brasileiro. "
(*) Fritz Utzeri é editor do jornal Montbläat, que circula pela internet em edição exclusiva para assinantes. Para fazer assinatura, o endereço é flordolavradio@uol.com.br
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