segunda-feira, 16 de junho de 2008

Fábula dos porcos assados.

Extraída do livro “Chutando o pau da barraca” de Marcos Paulo Góes

“Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... até que descobriram um novo método.

Mas o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes, os amimais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava a todos, porque, se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes – milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se preocupavam com a tarefa de assá-los. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar, Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as perdas causadas.

Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas, Já era um clamor geral a necessidade de reformas. Congressos, seminários, conferências passaram a ser realizadas anualmente para buscar uma solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte, repetiam-se os congressos, seminários, conferências.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar – na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo, Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado; indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo – incendiadores que era também especializados ( incendiadores da zona norte, da zona oeste, etc., incendiadores noturnos e diurnos com especialização em matutino e vespertino, incendiadores de verão, de inverno, etc.). Havia especialistas também em ventos – os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento, uma Comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativa.

Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com a s mais recentes técnicas de implantação – utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais do que três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.

Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos; fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construções de instalações de porcos, etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingido depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Não é preciso dizer que poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas específicos.

Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno matutino, com bacharelado em verão chuvosos), chamado João Bom Senso, resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser resolvido: bastava, primeiramente, matar os porcos escolhidos, limpando e cortando adequadamente os animais, colocando-os então sobre uma armação metálica sobre brasas até que o efeito calor, e não as chamas, assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

- Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento doas acendedores de diversas especialidades?
- Não sei - disse João.
- E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras automáticas de ar?
- Não sei – disse João.
- E os bacharéis em construção das fundações para contenção de porcos que levaram anos especializando-se no exterior, cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?
- Não sei – repetiu João, encabulado.
- O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê, que, se tudo fosse tão simples, nossos especilaistas já teriam encontrado a solução há muito mais tempo atrás? O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que éque o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me!
- Não sei , não senhor.
- Diga-me, nossos engenheiros de Porcopirotecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor?
- Sim, parece que sim.
- Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que o nosso SISTEMA é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o país?
- Não sei.
- Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos – por exemplo, como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência), como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o SISTEMA, e não reformá-lo radicalmente, o senhor entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!
- Realmente, eu estou perplexo! Respondeu João.
- Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia por aí dizendo que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia – isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?

João Bom Senso, coitado, não falou mais um “A”. Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado, com sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reunião de reformas e melhoramentos que falta o Bom Senso”.

Nenhum comentário: