jornalista Luiz Paulo Horta
“Fala-se muito na nossa crise de valores. Isso parece levar a uma certa perplexidade. Há valores que a gente traz do berço, ou da mais tenra infância. Quem não carrega consigo essa herança afetiva tende a se enredar nas malhas da vida. O Brasil cresceu, como se sabe, no bojo de uma economia escravagista. Terminada a escravidão oficial, a herança que ela deixou era tão pesada que até hoje vergamos ao peso das desigualdades sociais. Não conseguimos chegar a um acordo sobre políticas públicas que realmente liquidem ou atenuem a desigualdade. (basta ver a discussão tão cega sobre assuntos de educação, onde a ênfase foi posta na universidade, quando devia estar no ensino fundamental).
Eis que, de repente, surge um líder popular, de origem sindical, dotado de talento e capacidade de liderança. Ele se apresenta como alguém capaz de levar ao poder ideais considerados de esquerda sem trazer na mala o ranço ideológico que sempre mantinha, aqui, a esquerda afastada do centro do poder. Era a ponte entre o Brasil de baixo e o Brasil de cima; a Revolução brasileira feita sem derramamento de sangue – e, não por acaso, brilharam os olhos de estrangeiros (sobretudo franceses) que gostam de trajetórias políticas inovadoras.
O sonho pareceu tornar-se realidade num processo eleitoral que ninguém contestou. Mas eis que, de repente, instala-se a névoa sobre os palácios brasilianos; e, aos poucos, emergem dessa névoa sinais inequívocos da degenerescência que se costuma associar ao exercício do poder. È esse eclipse de valores que hoje nos angustia. E às vezes é mais fácil sentir o que é um valor pela sua própria ausência.
A verdade é um valor: falar às claras, agir de acordo com o que se pensa. Mas, agora, é o próprio núcleo do poder que toma acintosamente distância em relação à verdade; que trata a verdade como objeto de barganha, de manipulação. E quando essa lição vem do centro do poder, não é de espantar que tudo o mais pareça tão fora do lugar.”
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